Trump e a nova geopolítica americana: tarifas, territórios e tensões globais
A política externa de Donald Trump em seu segundo mandato tem provocado ondas de choque nas relações internacionais e na economia global. Sua abordagem agressiva em relação ao comércio e suas surpreendentes declarações sobre territórios estrangeiros revelam uma visão de mundo que rompe drasticamente com décadas de política americana. Mas quais são as verdadeiras motivações por trás dessas políticas? Vamos analisar as ações e declarações recentes de Trump e o que elas podem significar para o futuro das relações internacionais.
A Guerra das Tarifas: Protecionismo 2.0
Em março de 2025, Trump impôs tarifas de 25% sobre todo o aço e alumínio importados para os Estados Unidos, eliminando todas as exceções previamente estabelecidas. “25% sem exceções ou isenções. Isso vale para todos os países, não importa de onde venham”, declarou o presidente ao anunciar a medida1. Esta ação representa apenas um componente de sua estratégia comercial mais ampla, que inclui a chamada “reciprocidade tarifária” – uma política que busca igualar as tarifas americanas àquelas impostas por outros países sobre produtos dos EUA.
As justificativas de Trump para essas tarifas são múltiplas. Ele argumenta que elas protegerão empregos americanos, impulsionarão a manufatura doméstica e corrigirão desequilíbrios comerciais com outros países. “Nossa nação precisa que o aço e o alumínio permaneçam na América, não em terras estrangeiras”, afirmou o presidente, defendendo sua visão protecionista1.
Contudo, os economistas pintam um quadro muito diferente. Um estudo do Peterson Institute for International Economics estima que as tarifas de Trump custarão ao típico domicílio americano mais de $1.200 por ano em impostos adicionais – o maior aumento de impostos em pelo menos uma geração2. Durante seu primeiro mandato, as tarifas sobre metais levaram a um aumento modesto na produção doméstica, mas também causaram um aumento nos custos de automóveis e maquinário, resultando em um declínio de mais de $3 bilhões na produção dessas indústrias.
Ambições Territoriais: Mais Que Simples Retórica?
Para além das políticas comerciais, Trump tem feito declarações surpreendentes sobre territórios estrangeiros. Ele sugeriu que o Canadá deveria se tornar o 51º estado americano, chamando a fronteira compartilhada de “linha artificialmente traçada”. Quando questionado se usaria coerção econômica para forçar uma fusão, Trump respondeu ambiguamente que poderia usar “força econômica” para alcançar esse objetivo3.
Sobre a Groenlândia, território autônomo da Dinamarca, Trump expressou interesse em adquiri-la, afirmando que a ilha é necessária “para a segurança internacional”. Em uma reunião com o secretário-geral da OTAN, Mark Rutte, Trump foi enfático: “Sabe, Mark, precisamos disso para a segurança internacional, não apenas para a segurança — internacional — temos muitos dos nossos ‘players’ favoritos navegando pela costa, e temos que ser cautelosos”4. Mais uma vez, quando perguntado sobre a perspectiva de anexação, Trump respondeu: “Acho que isso vai acontecer”4.
O Canal do Panamá também está na mira do presidente. Trump declarou que os EUA deveriam retomar o controle do canal, que foi transferido para o Panamá em 1999 após quase um século de administração americana. “A China está administrando o Canal do Panamá que não foi dado à mesma, mas sim ao Panamá tolamente e eles violaram o acordo, nós vamos tomá-lo de volta, ou algo muito poderoso vai acontecer”, afirmou Trump aos repórteres5.
Mais recentemente, Trump comemorou um acordo liderado pela empresa norte-americana BlackRock para comprar a maioria dos negócios portuários do conglomerado de Hong Kong CK Hutchison, que inclui ativos ao longo do Canal do Panamá. “Meu governo recuperará o Canal do Panamá e já começamos a fazer isso”, disse Trump ao Congresso, provocando uma resposta imediata do presidente panamenho, José RaúlMulino, que afirmou que Trump está “mais uma vez mentindo” e que “O Canal do Panamá não está no processo de ser recuperado — o Canal é panamenho e continuará sendo panamenho!”8.
A Estratégia do “Louco” ou Plano Calculado?
Muitos analistas interpretam as declarações expansionistas de Trump através da lente da chamada “teoria do louco” – uma estratégia de negociação que envolve projetar imprevisibilidade para intimidar adversários. Esta teoria remonta a 1959, quando foi apresentada pelo analista militar americano Daniel Ellsberg, e foi notoriamente empregada pelo presidente Richard Nixon durante a Guerra Fria6.
A “teoria do louco” envolve fazer com que líderes estrangeiros acreditem que um presidente está disposto a usar força excessiva, mesmo que isso pareça irracional, para obter concessões em negociações. Contudo, pesquisas indicam que esta estratégia costuma ser pouco eficaz na prática6.
Outros observadores veem uma estratégia mais coerente por trás das aparentemente díspares declarações de Trump. Especialistas sugerem que o desejo de controlar a Groenlândia, o Canadá e o Canal do Panamá parecem todos relacionados à competição com a China, seja pelo controle do Ártico ou das rotas comerciais globais.
Esta interpretação é reforçada pela crescente competição EUA-China, que tem moldado a política comercial americana nos últimos anos. Como observa Brad Setser, ex-conselheiro sênior do representante de comércio de Biden: “No início dos anos 2000, a ideia era que para ter sucesso na economia mundial, você tinha que convergir para uma versão idealizada do mercado dos EUA. Isso claramente não foi aceito na China. Agora todos estão tentando se ajustar a um mundo onde o capitalismo de estado da China não está desaparecendo”7.
Reações e Consequências
As declarações e políticas de Trump têm provocado respostas firmes internacionalmente. O primeiro-ministro canadense Justin Trudeau rejeitou categoricamente a ideia de uma fusão3. O primeiro-ministro da Groenlândia, Mute Egede, também expressou sua indignação após os comentários de Trump sobre anexar o território: “O presidente dos EUA mais uma vez expressou a ideia de nos anexar. Já chega”4.
No front comercial, as tensões continuam a aumentar. Durante seu primeiro mandato, Trump impôs tarifas de 25% sobre o aço e o alumínio, mas havia concedido exceções para vários países, incluindo o Canadá, Brasil, México e Coreia do Sul. Agora, essas exceções foram eliminadas, afetando milhões de toneladas desses metais1.
Além dos impactos econômicos diretos, as tarifas trazem riscos significativos para os consumidores americanos. Segundo pesquisas, uma família típica de renda média dos EUA pode acabar desembolsando mais de US$ 2.600 a mais por ano se uma tarifa geral de 20% sobre todas as importações e uma tarifa de 60% sobre as importações da China forem impostas2.
O Futuro das Relações Internacionais
As políticas de Trump representam um desafio fundamental à ordem internacional baseada em regras que os próprios Estados Unidos ajudaram a construir. Se implementadas plenamente, essas políticas poderiam acelerar tendências de fragmentação econômica global, com o mundo potencialmente se dividindo em blocos comerciais rivais.
Para os Estados Unidos, os custos podem ser significativos. Preços mais altos para consumidores, perda de mercados de exportação e deterioração das relações com aliados tradicionais são apenas algumas das possíveis consequências negativas. Embora certos setores específicos da economia americana possam se beneficiar de proteção tarifária, a economia como um todo provavelmente sofrerá.
À medida que as políticas de Trump continuam a se desenvolver, resta saber se suas ambições territoriais permanecerão principalmente como retórica ou evoluirão para políticas concretas. O que está claro é que sua abordagem “América Primeiro” está redefinindo a posição dos Estados Unidos no mundo, com implicações profundas para o comércio global, a diplomacia e a segurança internacional.
O tempo dirá se esta abordagem resultará no “ressurgimento” americano que Trump promete ou se, como muitos especialistas temem, levará a um isolamento econômico prejudicial e a tensões geopolíticas crescentes. O que é certo é que o mundo está observando atentamente, preparando-se para navegar em um cenário internacional cada vez mais imprevisível.
Assessoria Cidadão Alerta
Citações:
- https://g1.globo.com/economia/noticia/2025/03/12/tarifas-aco-e-aluminio-impactos-brasil.ghtml
- https://www.cnnbrasil.com.br/economia/macroeconomia/cinco-produtos-que-devem-encarecer-nos-eua-com-tarifas-de-trump/
- https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/trump-adoraria-ver-o-canada-ser-o-51-estado-dos-eua/
- https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/reuters/2025/03/13/trump-diz-a-secretario-geral-da-otan-que-eua-precisam-da-groenlandia.htm
- https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/trump-volta-a-ameacar-retomar-controle-do-canal-do-panama/
- https://www.bbc.com/portuguese/internacional-61238875
- https://foreignpolicy.com/2024/09/10/us-protectionism-biden-trump-tarrifs-harris-china/
- https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/reuters/2025/03/05/trump-comemora-recuperacao-do-canal-do-panama-apos-compra-da-blackrock.htm
- https://br.jetss.com/noticias/mundo/2025/03/por-ordens-de-trump-tarifas-de-25-sobre-aco-e-aluminio-entram-em-vigor-no-brasil/
- https://www.piie.com/research
- https://www.terra.com.br/economia/trump-diz-que-canada-deveria-se-tornar-precioso-51-estado-dos-eua,bc19f5530c160a0b14386e1179e6233d9zmda22g.html
- https://ultimosegundo.ig.com.br/mundo/2025-03-13/trump-diz-que-anexacao-da-groenlandia-pelos-eua-vai-acontecer.html
- https://jovempan.com.br/noticias/mundo/trump-promete-retomar-controle-do-canal-do-panama-e-mudar-nome-do-golfo-do-mexico.html
- https://g1.globo.com/mundo/noticia/2022/05/01/teoria-do-louco-como-nixon-tentou-convencer-sovieticos-que-usaria-bomba-nuclear.ghtml
- https://en.wikipedia.org/wiki/China%E2%80%93United_States_trade_war
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- https://www.cnnbrasil.com.br/economia/macroeconomia/tarifas-de-25-sobre-aco-e-aluminio-iniciarao-a-meia-noite-diz-casa-branca/
- https://www.piie.com/research/piie-charts/2025/trumps-tariffs-canada-mexico-and-china-would-cost-typical-us-household
- https://www.cartacapital.com.br/mundo/trump-eleva-a-50-as-tarifas-previstas-para-aco-e-aluminio-do-canada/
- https://www.bbc.com/portuguese/articles/cpw2wv4dl59o